Enquanto manifestantes mostram nas ruas de Teerã insatisfação com o resultado da eleição presidencial no Irã, a associação de clérigos islâmicos da qual faz parte o ex-presidente reformista iraniano Mohammad Khatami (1997-2005) pediu neste sábado a anulação da votação desta sexta-feira, que deu a vitória ao presidente Mahmoud Ahmadinejad, e defendeu a realização de uma nova eleição. Candidato derrotado, o reformista Mir Hossein Moussavi pediu calma aos seus partidários.
Veja abaixo diagrama sobre a divisão de poder no Irã
A Associação do Clérigo Combatente afirmou que estava preocupada com uma "maciça manipulação dos votos".
"[A entidade] conclui que o cancelamento das eleições e uma nova votação em uma atmosfera mais igualitária constituem a melhor forma de reconquistar a confiança pública e a reconciliação nacional", informa o comunicado enviado à imprensa.
Um dos fundadores da associação, Khatami era visto como possível candidato nas eleições deste ano, mas participou da campanha Mousavi, um ex-primeiro-ministro reformista cuja campanha mobilizou jovens, mulheres e parte da população urbana.
O candidato chegou a declarar vitória logo após as eleições, mas os resultados oficiais mostraram que ele teve 33,75%, diante de 62,6% dos votos recebidos pelo ultraconservador Ahmadinejad, que conquistou a vitória em primeiro turno. O conservador Mehdi Karubi recebeu 1,73% dos votos, e o reformista Mehdi Karubi, 0,85%.
Resistência
Mousavi rejeitou o resultado e pediu a seus partidários que resistam às "mentiras e à ditadura" do governo. O ex-primeiro-ministro afirmou, em uma mensagem postada em seu site, que a "população não deve respeitar aqueles que tomam o poder por meio de fraude".
"Estou avisando que não irei me render a essa manipulação", diz o texto.
Os confrontos no centro de Teerã foram os mais sérios distúrbios na capital desde o protesto de estudantes contrários ao regime em 1999 e demonstraram um descontentamento com a eleição que pode gerar ainda mais violência.
Centenas de manifestantes, muitos usando o símbolo verde da campanha de Mousavi, gritaram "o governo mente para o povo" e se reuniram perto do Ministério do Interior quando o resultado final foi anunciado. Eles atearam fogo a pneus no local e houve choques com a polícia.
Ben Curtis/AP | ||
Partidários de Mir Hossein Mousavi protestam contra resultado de eleição que deu vitória a Mahmoud Ahmadinejad |
Em outra rua importante de Teerã, aproximadamente 300 jovens bloquearam a via formando um cordão humano enquanto gritavam "Ahmadinejad, vergonha para você. Deixe o governo em paz".
O ministro do interior, Sadeq Mahsouli, que supervisionou as eleições e chefia as forças policiais do país, avisou a população para não participar de nenhuma "reunião não-autorizada".
Antes, a poderosa Guarda Revolucionária alertou que não iria tolerar nenhum desafio feito pelo "movimento verde" de Mousavi.
Em vários outros pontos da cidade, como na Universidade de Teerã, policias dispersaram manifestações com gás lacrimogêneo.
O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, fechou as portas para qualquer chance de usar seus poderes ilimitados para intervir nas eleições desta sexta-feira. Em uma mensagem veiculada na emissora de televisão estatal, ele pediu a população para que se una em torno de Ahmadinejad, e disse que o resultado foi um "julgamento divino".
Caren Firouz/Reuters | ||
Partidário de Mir Hossein Mousavi conversa com policial durante protesto contra resultado oficial das eleições |
Após notícias sobre as manifestações, Moussavi publicou um comunicado no site de sua campanha pedindo aos seus partidários para que evitassem a violência.
Bloqueio na internet
A internet foi outro campo de ação do governo iraniano para evitar manifestações. As autoridades voltaram a bloquear neste sábado, pela terceira vez nos últimos meses, o acesso à rede de relacionamentos sociais na internet Facebook.
A página tinha sido adotada como uma das plataformas de mobilização da campanha do reformista Mousavi, que apontou, entre outras alegadas irregularidades na eleição, "a adulteração" da comunicação através de mensagens de SMS, que tinham sido importantes nos dias anteriores para mobilizar os eleitores.
A campanha do reformista afirmou que este era o sistema com o qual os observadores tinham previsto também denunciar os casos de fraude durante a votação.
Neste sábado, embora as ligações por telefone celular continuassem sendo difíceis, os SMS voltaram a ser fundamentais para reunir os seguidores de Mousavi, que protestaram em diferentes pontos de Teerã gritando: "Este não é meu voto".
Mas depois que os prortstos se espalharam pela cidade, as mensagens de texto foram novamente bloqueadas, e após as 22h (14h30, em Brasília) a rede de telefonia móvel do Irã, controlada pelo Estado, suspendeu o sinal dos celulares em Teerã.
A segunda vez em que as autoridades iranianas impediram o acesso ao Facebook foi um dia antes do início da campanha eleitoral, quando mais de cinco mil pessoas já haviam confirmado apoio a Mousavi pelo site, que continuou recebendo adesões durante as duas semanas que antecederam a votação.
A rede voltou ao ar depois que, durante uma entrevista coletiva concedida à imprensa, o presidente Ahmadinejad foi questionado sobre o bloqueio ao site.
"Livre e saudável"
Diante das resistências, Ahmadinejad, negou neste sábado as acusações de fraude nas eleições e assegurou que a vitória pertence ao povo do Irã.
Em discurso na televisão estatal, Ahmadinejad qualificou as eleições de "justas" e felicitou as pessoas que trabalharam no processo, porque, em sua opinião, "fizeram um trabalho impecável".
O ultraconservador afirmou ainda que a eleição que lhe garantiu a vitória no primeiro turno foi "livre e saudável".
A Casa Branca informou neste sábado que está acompanhando de perto as denúncias de irregularidades nas eleições iranianas.
"Seguimos observando a situação muito de perto, incluindo os relatórios sobre irregularidades", afirmou em comunicado o porta-voz oficial, Robert Gibbs.
A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, também falou hoje sobre os resultados das eleições iranianas, ao dizer que espera que estes reflitam a "verdadeira vontade e desejo" do povo iraniano.
Campanha
Mahmoud Ahmadinejad era considerado imbatível até o início da campanha, mas uma grande mobilização em torno de Mousavi, principalmente de jovens, mulheres e da população urbana, embaralhou o processo de sucessão.
O presidente, favorito na zona rural, contou com o apoio de setores conservadores e era visto como o preferido de setores organizados que normalmente votam em bloco, como o Exército e a Guarda Revolucionária.
Os dois principais opositores protagonizaram uma campanha agressiva, com acusações mútuas de manipulação de dados. Em um inédito debate, assistido por mais de 40 milhões de pessoas, Mousavi disse que o presidente mentia sobre os dados da economia para esconder a inflação resultante do que chamou de incompetência para administrar o país. Ahmadinejad reagiu e disse que os aliados do opositor --como o ex-presidente e chefe do Conselho de Discernimento, Akbar Rafsanjani-- enriqueceram por meio da corrupção.
Os dois também discordaram sobre a política externa. Mousavi acusou o presidente de isolar internacionalmente o país ao negar o holocausto. Mas os quatro concorrentes concordaram em manter o programa nuclear do país, oficialmente com fins de produção de energia. Os Estados Unidos acusam o país de estar tentando desenvolver armas nucleares.
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